Para começar uma carreira em Portugal é possível que seja necessário sair provisoriamente da sua área de atuação e realizar trabalhos temporários ou mesmo exercer uma função na qual jamais tenha atuado.
Se este for o seu caso há pelos menos duas possibilidades: que a situação seja apenas uma fase de transição até que você disponha das condições para retomar a sua carreira no segmento que integrava no Brasil ou pode ser que você até goste da nova experiência e descubra que pode se realizar ali. Afinal, imigrar é também estar aberto às novas possibilidades!
Eu, que saí do Brasil deixando o cargo de Gerente de Marketing de uma das maiores redes de franquias de fast-food do Norte-Nordeste, Bebelu Sanduíches, jamais pensei em ser operadora de call-center. Tive que lidar com minha vaidade e aprendi lições surpreendentes.
Em todos os meus anos de carreira, mesmo ocupando desafiadores cargos de gestão nunca desempenhei uma função tão complexa. Na verdade, nunca houve nada fácil em relação a este cargo. Conto aqui 5 aspectos da experiência que tenho tido:
1- Antigos conhecimentos para novas atribuições – Não foi fácil aceitar que teria de sair da minha área. Existe aí a vaidade, claro e eu lutei para superá-la, pois precisava de uma porta de entrada para o mercado de trabalho. Precisava me integrar a uma nova cultura e precisava de uma nova rotina. Depois consegui perceber que podia (e deveria) aplicar todo o meu conhecimento em comunicação ali. E era tudo-ao-mesmo-tempo-agora: Atendimento, Gestão de Crise, Pós-venda. Coloco em prática todos os conceitos.
2- Diferenças no idioma – acreditem: nossa maneira de falar e de escrever é bem distinta. Mas nesta função pude me familiarizar com novas palavras, novas expressões e novas pronúncias. Não estamos falando apenas de palavras distintas para objetos e situações iguais. Trata-se de uma cultura diferente e era necessário adaptar-me a ela.
3- Desenvolvimento de habilidades – Não foi fácil aprender a operar os incontáveis sistemas e aplicativos para realizar o mais simples atendimento no call-center, sobretudo na minha idade (40 anos). De todo o contexto vivenciado, este aspecto foi o que mais custou a mim. A questão é que essas novas demandas nunca fizeram parte do meu plano de carreira, portanto, eu apresentei uma grande resistência. Mas depois compreendi que tudo aquilo faria parte da minha nova condição: a de imigrante.
4- Xenofobia, machismo, assédio. Tem de tudo. Isso me abalava imensamente no começo. Imagina você contornar todos os aspectos que já citei e do outro lado da linha o cliente diz que quer falar com alguém que saiba falar português pelo simples fato de não gostar do nosso sotaque? Não aceitei as ofensas. Ensinei o que pude para quem tinha capacidade de ouvir e encerrei algumas chamadas quando os crimes continuavam a ser proferidos.“Nosso modo de viver pode ser também o nosso modo de lutar” (frase de desfecho da série As Telefonistas, Netflix).
5- Conquistei amizades surpreendentes desde a formação no call-center: naturalmente ao imigrarmos os relacionamentos no novo país tendem a ser fortalecidos com mais intensidade e rapidez. O segredo é simples: tudo o que temos é uns aos outros.
Outro lado das lições no call-center
Por mais que estejamos (como clientes) angustiados, nos sentindo prejudicados pelas prestadoras de serviço que pretendemos reclamar, é preciso lembrar que por trás de uma chamada telefônica há um ser humano geralmente aflito e pressionado, mas cheio de vontade de proporcionar o melhor atendimento e empenhado em resolver todas as questões na maior agilidade.
Como profissional posso dizer que sou uma pessoa mais capacitada que jamais fui e que sinto-me preparada para novas experiências ou para manter a função vigente. Já tive constrangimento, confesso. Nem mesmo citava nada disso nos currículos ou no linkedin. Mas todo mundo pode evoluir, não é? O que eu via como fracasso profissional coloco hoje como a cereja do bolo. Já sei do que é capaz “uma simples telefonista”.
Múltiplas possibilidades
Paralelamente, a partir dos desafios como imigrante, fui enfrentando e descobrindo um novo mercado: o de realocação de brasileiros em Portugal. Com base na minha própria experiência e amparada em sólidas parcerias criei a Life Relocation.
E é este projeto que me faz brilhar os olhos. Espero em breve poder me dedicar 100% a esta carreira nada planejada, mas que me deixa plenamente realizada.
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Muito bom. Parabéns pela “volta por cima”. Oxalá quando chegar a minha vez eu tenha a mesma postura e saiba contornar as dificuldades.